sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

-Como te chamas? – ela pensa antes de responder, mas chega à conclusão que ao dar um nome a si própria, estará a criar para si, uma personalidade, deixando de ser apenas um objecto vivo.
-Dalila. – diz sem rodeios e com a verdade. Ele não pode deixar de soltar um riso miúdo.
-Mulher traidora. Isso é bom, fica-te bem esse nome. – “Será ele o Sansão?”, pensa Dalila sem na realidade querer pensar. Não dizem mais nada de imediato. Ele traga de novo o seu cigarro e aumenta a ansiedade daquela criança.


– Que idade tens?
-Não lhe posso responder a isso. Sabe melhor do que eu que não lhe posso responder a isso!
-Como assim, não me podes responder?! – pergunta admirado com a segurança que a rapariga apresentava. – Quantos anos tens? – grita-lhe. Ela estremece, mas não responde, apenas esconde o olhar. Ela sabe que qualquer outra informação acerca dela, só lhe dará ainda mais desvantagem. Quanto menos ele souber dela, melhor, é um trunfo que ela guarda.

Ele perde a pouca paciência que tem. Levanta-se e pontapeia qualquer coisa metálica, que estava no chão. Ela fecha os olhos e aguarda o pior. Ele ainda não viu a cor dos seus olhos, a luz é pouca. Pega numa cadeira de campismo que estava encostada à mesa e senta-se entre as duas camas, bem no centro da tenda. Acende um novo cigarro e pousa os seus enormes braços nas costas da cadeira.


Ela abre os olhos de novo e olha-o sem receio. Apercebe-se que talvez, ele tenha olhos verdes, mas é-lhe impossível ter a certeza. Ele apercebe-se perfeitamente dos seus olhos azuis, brilhantes como duas safiras. Ela fica com a sensação de que ele está menos à vontade naquele papel, do que ela. Decide tomar a liderança, com calma.


- Onde é que eu estou? – pergunta com uma confiança controlada.
- Não te recordas de nada? – pergunta desconfiado, ao que ela acena que não. Ela, agora, olha-o sempre de frente, como se o testasse. A ele, não lhe agrada essa provocação. Ele precisa que ela tenha medo dele e não, que o enfrente com tanta insolência. – Não te recordas dos meus companheiros lá fora? Do que eles te fizeram? Não te recordas com quem estavas antes de vires parar aqui? – se ela se recordasse, o trabalho dele seria mais simples, ela teria medo dele de novo.


Ela cai na sua armadilha, mal desconfia, que seria melhor para ela desconhecer o que se passou, continuar, momentaneamente amnésica. Tenta recordar-se das horas anteriores, fecha os olhos e esforça-se. Recorda-se de algumas coisas, mas uma, sobretudo uma imagem, aperta-lhe o coração.


- O que é que lhe fizeram? – diz subitamente assustada.
- Não lhe fizemos nada que tu não lhe irias fazer em pouco tempo. Tu és uma gata arisca. – responde-lhe divertido.
- Eu não iria fazer nada. Estávamos a falar. Eu estava a convencê-lo a... – detém-se, não deve continuar. - Estavas a tentar convencê-lo que ainda não tinha chegado o momento certo, não era? – a resposta foi o silêncio. Ele aceita-o como um sim.
– Diz-me uma coisa, se nós não tivéssemos aparecido, tu irias permitir que ele insistisse ou tentasse algo , mesmo contra a tua vontade?
- Eu não vou responder a isso! Nada tem com a minha vida, não lhe devo esse tipo de explicações. – ele impacienta-se, aquela criança deveria ser mais cooperativa.
- Responde de uma vez. Estás a fazer-me perder tempo e paciência, duas coisas que eu não tenho em abundância. Podes estar certa que não vais gostar quando isso acontecer. – gritou-lhe. A cada grito que dava, o corpinho dela estremecia e isso, dava-lhe confiança.
- Eu não sei como responder a isso! – era sincera, ela era sempre sincera. Uma coisa ela aprendera, não existia mentira mais credível, do que a verdade pura e crua.
- Não sabes ou não queres saber? – ele levanta-se e aproxima-se dela. Ela encolhe-se o quanto pode, mas não desvia o seu olhar – Eu vou voltar a perguntar. – avisa com voz grave e ponderada – E tu vais responder. – ordena, ao que ela acena que sim – Tu ias permitir que ele fizesse o que queria, ou irias impedi-lo? - Sei que não vai acreditar em mim. – ele tenta não perder a compostura pelo que torna a sentar-se na cadeira de novo.

Ela levanta-se por sua vez, e avança até ele, com uma suavidade de Madona Barroca, como se quisesse que ele percebesse que ela nada tinha a recear com a sua resposta e, com uma voz suave, feminina e intrigante, responde-lhe ao ouvido, com uma confiança quase assustadora:

- Não sei.
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