Ela enviou uma sms dizendo que estava a descer as escadas, o que geralmente era sinal para ele abrir a porta e com efeito assim foi. Chegada ao prédio a porta estava aberta e ela entrou, mas algo naquela noite lhe avisava que alguma coisa não iria correr como o habitual. Sentia um vazio apertado, se é que isso faz algum sentido, no seu estômago, deixando-a expectante e nervosa. Talvez fosse apenas uma impressão, ou um secreto e involuntário desejo que algo realmente acontecesse. Ela sabia que tinha sido mazinha com ele à hora de almoço: mantivera-se distante e altiva, esquivou-se de todos os seus avanços e recusara todos os seus beijos. Ela sabia que havia cultivado nele um sentimento de vingança e que ele lhe faria pagar caro a brincadeira. Na realidade, ela assim o planeara, mas encontrava-se agora um pouco apreensiva quanto ao que a esperava.
Desceu os dois lances de escada que a conduziam ao apartamento dele, com um nó nas entranhas e parecia experimentar, a ver se era sólido, cada um dos degraus antes de pousar cada um dos seus pés. Nunca fizera aquele percurso de forma tão lenta e tão pouco vigorosa. Viu-se em cima do tapete, pensou que se aquele relacionamento se mantivesse por mais algum tempo, lhe teria que oferecer um novo, aliás teria que lhe decorar a casa, pois isso parecia ser algo, no qual ele não tinha o menor gosto. Definitivamente, seria um trabalho ao qual se teria que entregar no futuro. A porta estava encostada, bastaria ela encostar, ligeiramente, a sua mão, para que a mesma se deslocasse para dentro e ela pudesse entrar. Esticou molemente o braço, abriu a palma da mão e encostou-a contra a madeira a precisar de verniz. Respirou fundo e depois, exercendo uma ligeira pressão, viu a porta comportar-se como previra.
Entrou com o pé direito primeiro, como se aquele gesto supersticioso fosse imperativo naquele momento. Estava tudo escuro e a sua respiração pareceu ficar paralisada. Fechou a porta atrás de si e pensou que se tirasse os sapatos não se denunciaria a quem a esperava no escuro e assim o fez. Silenciosamente alcançou a cozinha e com a pouca luz que entrava por umas brechas mal fechadas dos estores, não conseguiu ver ninguém. Dirigiu-se então à sala, mas ainda no corredor, a ideia de acender a luz pareceu-lhe inteligente. Correu com a palma da mão a parede, procurando o interruptor. O silêncio era aterrador. Sentindo uma saliência plástica no meio do estuque macio, o seu corpo sorriu pensando em vitória, no entanto, no exacto momento em que percebeu que ao movimentar o interruptor, as luzes não acendiam, acabou por sentir uma estranha sensação de orgulho, por ter escolhido alguém que havia sido inteligente o suficiente, para desligar o quadro. O jogo começava a agradar-lhe. Dirigiu-se confiante para a sala e, mais uma vez, não encontrou ninguém.
Aquilo criava alguma adrenalina e ela excitava-se com o inesperado, com o medo, com o perigo. Retornou ao corredor, mas desta ficou com a sensação de que alguém estava lá. Reprimiu o seu sensor aranha, ignorou o arrepio na nuca e avançou em direcção ao quarto. Sabia que ninguém lá estaria pois quem ela procurava encontrava-se por trás dela. Com esse conhecimento ganhou outra coragem e com ela livrou-se da échàrpe que trazia ao pescoço, deixando-a cair no chão à frente da porta por onde tinha entrado há alguns minutos atrás. Despiu o casaco, que teve o mesmo destino que a peça de roupa anterior: o soalho flutuante que cobria o chão. Apenas uma blusa de seda pérola e umas calças de fato separavam-na da nudez.
Questionava-se se ele se aperceberia dos seus gestos na escuridão, se o facto de se estar a despir aumentava nele algum tipo de excitação. Por instantes pareceu-lhe ouvir a sua respiração mas depressa apenas o silêncio pontuado pelo seu próprio coração a bater, voltou.
Encostou-se à porta do quarto, antecipando o que se iria passar. Qual seria o gesto que ele usaria para a abordar, se estaria ainda, ou não vestido?! O seu coração batia descompassadamente. Atreveu-se a entrar. Sabia que ninguém estaria lá, mas mesmo assim ficara com a sensação de que fora necessária uma grande dose de coragem para dar aquele passo. Aproximou-se dos pés da cama e estagnou, qual estátua de mármore num museu, pensando no que deveria fazer a partir dali. Aquela antecipação, aquele compasso de espera, deixavam-na louca. Ele estava a levar aos limites, toda aquela encenação.
Sentiu finalmente um leve movimento, mas tão suave que se diria que de um pequeno gato se tratava. A respiração húmida e quente dele, foi o primeiro contacto. A sua pele voltou a arrepiar-se. Ele mantinha-se a poucos centímetros dela, ela conseguia sentir a sua energia, o poder maciço do seu corpo masculino, mas ele não a tocava. Mantiveram-se assim por alguns segundos, ela fingindo que ignorava a presença dele e ele controlando a sua vontade de simplesmente a abraçar, de lhe tocar, de a ter por inteiro para si.
(Continua…)
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